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EDEC - Dos 20% aos 5% em 60 dias

Os cortes de energia em Santiago foram reconhecidos publicamente pela EDEC/EPEC, que justificou as falhas com avarias complexas nos grupos geradores e atrasos na manutenção. A situação levou a cortes alternados e prolongados, afetando gravemente a população e as empresas. Houve também pressão pública e política para que fossem tomadas medidas de compensação e melhoria do serviço.


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A crónica de hoje resulta da chegada da fatura EDEC, com o anunciado desconto de 10%:


“EDEC vai aplicar um desconto de 10% nas faturas de eletricidade dos clientes da ilha de Santiago para os meses de outubro e novembro de 2025”.


Na prática, este desconto representa um alívio de custos imediato, beneficiando empresas e consumidores residenciais, devido aos cortes a que estivemos sujeitos na ilha de Santiago. Reflete cuidado social e impacto financeiro mensurável para os consumidores no curto prazo.

Mas uma análise mais detalhada, reserva-nos algumas surpresas. Analisemos.


O desconto aplicado é 10%, sobre o valor do Consumo, ao qual depois se acrescem a Taxa Fixa e a Taxa de Potencia. Até aqui tudo bem.


Que tipo de desconto é este? É um desconto comercial ou um desconto financeiro?

Um desconto comercial por definição é uma redução direta no preço de venda de um produto ou serviço, normalmente concedida no momento da venda, por negociação, volume, campanhas promocionais ou fidelização.


Um desconto financeiro é uma redução concedida como incentivo ao pagamento antecipado ou de pronto pagamento, sendo normalmente aplicado ao valor total da fatura, após a venda, como forma de estimular o pagamento antes do prazo.


Olhando para a fatura, temos um desconto comercial que incide sobre o valor do consumo em 10%. Até aqui tudo bem.


Mas depois surge a 1ª surpresa, o cálculo do IVA. O que verificamos é que o IVA incide sobre o valor do consumo, taxa fixa e taxa de potência, esquecendo o desconto.


Analisando esta situação do ponto de vista técnico, entendemos que o valor tributável é apurado depois de deduzido o desconto. Ou seja, deveríamos pagar menos IVA.

2ª surpresa: Mantendo-se os pressupostos desta primeira fatura de outubro/25, aplicados à fatura de novembro/25, fazendo uma projeção o desconto total nestes dois meses é de cerca de 5%, calculado para os 30 dias em que houve cortes.

Daí o título desta crónica: EDEC dos 20% aos 5% em 60 dias.

Se o desconto é suficiente?

Exemplo: Um pequeno hotel de 20 quartos, com restaurante e serviços de apoio, pagando cerca de 280 contos mensais. Segundo EDEC terá em dois meses um desconto de aproximadamente 25 contos.

Potência recomendada: 80–120 kVA, consumo 18 lts/hora, preço gasóleo 107,70 CVE. Considerando que as falhas foram pelo menos 40 horas (5 dias/8 horas), teríamos um gasto de 78 contos, só em combustível. Isto considerando que já existia gerador, portanto não sendo necessário comprar ou alugar.


Direitos dos consumidores e ressarcimento em contexto de monopólio


Segundo a legislação cabo-verdiana e as boas práticas internacionais para serviços públicos essenciais:

  • Os consumidores têm direito a um serviço de energia estável, contínuo e seguro.

  • Em caso de falha prolongada ou recorrente, especialmente quando não há alternativa de fornecedor (monopólio), a empresa concessionária é obrigada a compensar os consumidores pelos prejuízos causados, sejam eles materiais (danos em equipamentos, perdas de produção) ou morais (incómodos, perda de qualidade de vida).


Como pode ser feito o ressarcimento?


Desconto direto na fatura: O método mais simples e transparente é aplicar um desconto proporcional ao tempo e gravidade dos cortes, refletido diretamente na fatura do mês afetado. Este desconto pode ser percentual ou um valor fixo por cada hora/dia sem serviço.


Indemnização adicional: Em casos de danos comprovados (por exemplo, avarias em equipamentos elétricos), pode ser exigida indemnização adicional, mediante apresentação de provas.


Procedimento formal: O consumidor deve registar a reclamação junto da EDEC, documentar os prejuízos e, se necessário, recorrer à ARME (Agência Reguladora Multissetorial da Economia) para mediação e decisão. O Livro de Reclamações e o portal consumidor.arme.cv são meios oficiais para este efeito. Qual o papel da ARME? Como cortes e ressarcimentos são tratados em outros países com monopólios energéticos?


A ARME tem a responsabilidade da regulamentação do acesso e operação do Sistema Elétrico, da proteção ao consumidor, da fixação das tarifas, da emissão de pareceres, de supervisionar e fiscalizar as atividades das empresas reguladas, conforme a legislação e os regulamentos definidos. ELECTRA/EDEC e AEB, Águas e Energia da Boavista.

A penalização busca incentivar o monopólio a investir em manutenção e qualidade de serviço. Geralmente há sistemas de compensação regulamentados pelos órgãos públicos para proteger o consumidor diante de falhas ou interrupções não programadas.


O valor do ressarcimento é normalmente proporcional ao tempo de corte e ao prejuízo presumido. Façamos uma comparação por cima.


Suécia: O país adota regulamentação rígida. Se o fornecimento de energia for interrompido por mais de 12 horas, o consumidor recebe 12,5% do valor anual da sua fatura; a compensação aumenta para 37,5% entre 24 e 48 horas, e assim sucessivamente. O sistema é automático e proporcional à duração da interrupção, com pagamentos mínimos garantidos.


Este e outros exemplos mostram a importância de uma regulação forte e critérios transparentes para proteger consumidores quando não podem escolher seu fornecedor.


Sugestão construtiva: medidas para evitar novas crises, como reforço da fiscalização da ARME, investimentos na infraestrutura, diversificação de matriz energética ou estímulo a produção própria nas empresas. Há duas semanas atrás, falamos nas infraestruturas críticas.


Pergunta provocadora para reflexão: “Por que o consumidor cabo-verdiano deve exigir mais transparência e respeito?”


Já agora a fatura EDEC ainda não cumpre os requisitos legais obrigatórios.

A fatura da EDEC, continua a não cumprir os requisitos legais em vigor, nomeadamente os do E-Fatura. Esperamos que a DNRE não venha mais tarde imputar as “responsabilidades” aos consumidores/contribuintes.

Ouça o episódio completo sobre este tema e descubra mais sobre como as  infraestruturas críticas influenciam o ambiente empresarial em Cabo Verde (link).

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